sábado, 20 de novembro de 2010


Esses dias sonhei com alguém que não conheci. Ela se chamava Maria José, ou melhor, detinha. Vasculhando memórias empoeiradas guardadas em uma caixa de sapato, a encontrei com minha mãe em seus braços.

Na posição de motorista, estou descobrindo uma nova cidade. Novos caminhos, retornos, entradas e saídas. E percebo também uma realidade que grita do outro lado do vidro do carro. De ônibus, a pé ou de carona, ainda é possível simplesmente desviar o olhar, ignorar, não sentir essa realidade tão próxima. Mas quando uma criança, muito criança, vem limpar o parabrisa traseiro por ainda não alcançar o dianteiro e depois vem te pedir um trocado, ou então uma merenda, não dá pra não ver. Não dá pra simplesmente fechar o vidro. E eu, naquele momento, disse apenas “não, não tenho”. e acompanhei com o olhar aquela criança solta, entre os carros, indo para o próximo automóvel repetir a sua precoce rotina de trabalho. Uma criança que merece todas as oportunidades que alguém na sua idade deve usufruir. Uma criança que nunca deveria estar exposta daquela forma ao trânsito, à violência, ao caos urbano. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante no papel todos os Direitos Fundamentais que uma criança deve usufruir. Há 20 manos que o ECA está aí, embasando as políticas públicas do país. E porque os avanços são tão lentos? Em que condições essa criança irá crescer, até que as políticas cheguem até ela? Talvez seja por causa dessa lentidão que, mesmo acompanhado e apoiando exemplos concretos, como o trabalho de algumas instituições que trazem uma luz à vida de crianças como esta, ainda sinto tanta impotência. As necessidades são urgentes e as políticas são lentas. Não é à toa que temos tantas instituições cumprindo um papel que o Estado, em sua lentidão, não consegue atender. As necessidades são urgentes e enquanto os mestres e doutores estão pensando políticas e os servidores públicos se perdem na burocracia, na prática o que vemos é a criança da sinaleira que cresce limpando vidro e pedindo merenda. E a minha visão otimista em relação às políticas sociais do país perde sentido quando presencio cenas como esta.